Não é muito incomum ouvirmos dos crentes, ou até mesmo, pastores para se tornarem imunes, ou quem sabe, vitalício no poder a seguinte expressão, quando se precisa cobrar alguma prestação de contas de um pastor, ou qualquer pessoa que exerce algum tipo de autoridade eclesiástica: "A Bíblia diz que não devemos tocar no ungido do Senhor" ou então "Deixa ele com Deus, ele pode até está nos enganando, mas vai prestar contas com Deus". É ou não e assim? Lamentavelmente estamos vivenciando o analfabetismo bíblico no seio da cristandade hodierna. Vamos analisar algumas passagens que pode nos ensinar sobre o assunto. Quero começar com o caso, talvez o mais recomendado pelos defensores dessa prática, que é o episódio envolvendo Davi e Saul. Vamos ao texto de I Samuel 24.6: " E disse aos que o seguiam: O SENHOR me guarde de fazer tal coisa ao meu senhor, ao ungido do SENHOR, estender a mão contra ele. Ele é o ungido do SENHOR". Pronto, temos a prova bíblica de que não podemos tocar naqueles que Deus levanta. Outra passagem bastante alusiva a isso é o Sl.115.15: "Não toqueis nos meus ungidos e não maltrateis meus profetas". Mas uma vez, agora com um argumento hermenêutico bastante forte, passagens das Escrituras que se relacionam entre si, defendendo o mesmo princípio. Partindo para a mensagem neotestamentária temos Hb. 13.7,17: "Lembrai-vos dos vossos líderes, que vos pregaram a palavra de Deus; observando-lhes atentamente o resultado da vida, imitai-lhes a fé. Obedecei a vossos líderes, sendo-lhes submissos, pois eles estão cuidando de vós, como quem há de prestar contas; para que o façam com alegria e não gemendo, pois isso não vos seria útil". Pronto, agora podemos fincar barreira e dizer, é sim pecado tocar nos ungidos do Senhor. Eu afirmo com toda certeza que a coisa não deve jamais ser trilhada nesse viés. Senão, vejamos o que os próprios textos ensinam. O texto de Samuel não pode servir de base para tal ponto de vista, uma vez que o próprio Davi, teve a audácia de cortar parte da orla do manto de Saul, "[...] Então Davi se levantou e, em silêncio, cortou a ponta do manto de Saul" (1Sm. 24.4). Embora depois ele tenha ficado com remorso. O comentário de Wiersbe comenta esse sentimento de Davi da seguinte maneira: "O coração de Davi estava tão sensível que ele se arrependeu abertamente do impulso que o fizera cortar o manto de Saul, pois não demonstrara o respeito adequado ao ungido do Senhor". Mas mesmo assim, a peça que ele havia cortado, foi usada como testemunho de que a vida do seu senhor esteve em suas mãos, mas ele não fez nada que viesse tirar-lhe a vida: "Os teus olhos acabam de ver que o SENHOR hoje te entregou nas minhas mãos nesta caverna; e alguns disseram que eu te matasse, mas a minha mão te poupou; pois eu disse: Não estenderei a mão contra o meu senhor, porque é o ungido do SENHOR. Olha, meu pai. Vê aqui a ponta do teu manto na minha mão, pois eu cortei a ponta do manto, em vez de te matar. Reconhece e vê que não cometi nenhum mal nem transgressão alguma; eu não pequei contra ti, embora andes à minha caça para me tirares a vida. O SENHOR julgue entre nós dois, e o SENHOR me vingue de ti; porém a minha mão não será contra ti", (1Sm.24.10-12). Se atentarmos bem para o texto, vemos que nessa passagem, o que podemos inferir, é tocar no sentido de tirar a vida, e não no sentido de se questionar atitudes erradas. Pois o mesmo Davi disse: "Depois Davi também se levantou e, saindo da caverna, gritou por trás de Saul: Ó rei, meu senhor! Quando Saul olhou para trás, Davi se inclinou com o rosto em terra e lhe fez reverência. Então Davi disse a Saul: Por que dás atenção aos homens que dizem: Davi procura fazer-te mal?", (1Sm.24.8,9, ênfase acrescenta). Atentemos para o que Davi diz, "Por que dás atenção aos homens que dizem: Davi procura fazer-te mal?", será que não temos um princípio de correção aqui? Mas vamos para o próximo texto, Sl.105.15. Diz-nos o texto: "Não toqueis nos meus ungidos e não maltrateis meus profetas", (ênfase acrescentada). Antes de prosseguirmos precisamos responder a pergunta crucial, quem são os ungidos nessa passagem?
Entender essa pequena questão é crucial para interpretar o verso 15. Se atentarmos para o contexto do próprio salmo, podemos depreender que o termo ungidos paralelo a profetas, tem possivelmente o propósito de indicar os líderes de Israel, e.g., reis, profetas e sacerdotes. E mais uma vez, tocar diz respeito a matar, negar ajuda quando o seu povo está em necessidade. Um caso marcante na peregrinação de Israel, foi quando eles estavam caminhando pelo deserto e os amalequitas os atacaram em Refidim, cf. Êx.178ss, Deus cobrou essa afronta de Amaleque, e por isso prometeu apagar a sua memória de debaixo da terra, v. 14. E por que Deus fez isso? Justamente porque Amaleque atentou contra vida do seu povo, e não meramente contra um Ungidão qualquer! A identificação de Deus com o seu povo é bem nítida, "Andarei no meio de vós e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo". (Lv. 26.12, ênfase acrescentada). A história nos ensina que nunca foi um bom negócio lutar contra o povo de Deus!
Para concluir, vamos analisar as passagens de Hebreus. Embora seja difícil determinar autoria, destinatário entre outras coisas, a passagem de Hebreus 13,7,17 diz: "Lembrai-vos dos vossos dirigentes, que vos anunciaram a palavra de Deus. Considerai como terminou a vida deles, e imitai-lhes a fé. Obedecei aos vossos dirigentes, e sede-lhes dóceis; porque velam pessoalmente sobre as vossas almas, e disso prestarão contas. Assim poderão fazê-lo com alegria e não gemendo, o que não vos seria vantajoso" (BJ ênfase acrescentada). O ponto é, há alguma insinuação de obediência a qualquer preço nesses versos? O verso 7 diz que, "imitai-lhes a fé", isso não quer dizer que tudo o que o pastor ou líder venha a fazer deve ser obedecido, o princípio é que, desde que esteja em conformidade com as Escrituras. Diz-nos o comentário Moody: "Na Igreja, especialmente, todas as graças cristãs deveriam ser encontradas. Lembrem-se do exemplo, diz o autor, daqueles que foram os primeiros a lhes ensinar a verdade cristã. Eles eram notados pela apresentação de uma mensagem verdadeira e um exemplo piedoso. Eles falavam a palavra de Deus e viviam vidas santas até o fim de suas vidas na terra". É esse estilo de liderança que deve ser obedecida, até porque o próximo exemplo que o autor vai chamar para corroborar a sua advertência é o próprio exemplo do mestre, v 8, "Jesus Cristo é o mesmo, ontem e hoje; ele o será para a eternidade!". O Comentário NVI vai mais além quando diz: "O autor também dá aos leitores conselhos acerca do bem-estar da Igreja. Ao relembrar a vida de fé dos seus líderes e a maneira em que eles morreram, i.e., o resultado da vida que tiveram (gr. ekbasis), serão estimulados a imitá-los (v. 7). A Chave Linguística do Novo Testamente diz que "ekbasis" "pode significar 'O fim da vida de uma pessoa' ou, mais provavelmente, "o resultado efetivo de sua vida'". Portanto, não se constitui pecado, quando um determinado líder comente algo passível de correção e a igreja, com mansidão e sabedoria, o chama para que ele receba as devidas advertências necessárias. Outra coisa, não existe pessoa nesse mundo que goze da prerrogativa da inerrância em suas ações. Diz Provérbio 3.35 "A honra é a herança dos sábios, mas os insensatos herdam a ignomínia!". (BJ).
ATT. Pr. Ângelo André Couto de Oliveira.
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